Xenofobia em Portugal contra brasileiros: crescimento, impactos e desafios urgentes
Lisboa — O sentimento de acolhimento que muitos brasileiros chegaram a associar a Portugal parece estar sendo corroído por uma onda de discriminação crescente. A comunidade brasileira — que hoje representa a maior população estrangeira residente em território português — relata queixas mais frequentes de xenofobia, humilhações e tratamento desigual em espaços públicos, no trabalho, no mercado imobiliário e até em serviços públicos. Estatísticas recentes confirmam: há um aumento real e mensurável desses episódios, mas muitos casos permanecem invisíveis por medo ou falta de informação.
Os números que indicam crescimento
Em 2021, foram 109 queixas formais de xenofobia contra brasileiros registradas pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR). Comparando com 2018, quando houve 45 denúncias, verifica-se um aumento de cerca de 142%.
Em 2024, entre os casos registrados de xenofobia em geral pela AIMA e pela CICDR, 150 casos envolveram brasileiros, um crescimento de 20% em relação ao ano anterior.
Pesquisa “Discurso de Ódio e Imigração”, da Casa do Brasil em Lisboa, revelou que 75,4% dos imigrantes que responderam já foram alvo de algum tipo de discurso de ódio; desses, 66% eram brasileiros. Este inquérito, feito entre maio e agosto de 2024, também mostra que o ambiente digital (redes sociais, internet) é um dos principais veículos dessas situações.

Exemplos concretos e relatos
Há casos denunciados de agressão verbal, insultos racistas ou xenófobos como “macaca”, “volte para sua terra”, ofensas relacionadas ao sotaque ou à naturalização de brasileiros como “de plástico”.
Em um episódio citado pela imprensa, uma mulher brasileira, autora de conteúdo público, foi alvo de comentários extremamente ofensivos após manifestar opinião em rede social.
Brasileiros enfrentam discriminação sutil em processos de procura de moradia, no trabalho ou em serviços de saúde. Exemplos incluem recusa de aluguel simplesmente por ser brasileiro, exigência de falar “inglês” ou “português europeu”, ou tratamento diferenciado em ambientes institucionais.

Fatores que contribuem para o aumento
Crescimento da comunidade imigrante
O número de imigrantes em Portugal saltou nos últimos anos. Dados apontam que los estrangeiros já compõem cerca de 10% da população, sendo cerca de 360 mil brasileiros no país. Esse aumento no contingente torna as tensões mais visíveis.
Redes sociais e visibilidade digital
Comentários ofensivos proliferam online. A sensação de impunidade, a facilidade de anonimato e o alcance das redes contribuem para que discursos de ódio se espalhem com rapidez.
Heranças históricas e culturais
Relações coloniais, estereótipos persistentes sobre “lisura” da língua (“português de Portugal” vs “português brasileiro”), e percepções socioculturais arraigadas reforçam discriminações. O racismo — ligado à cor da pele — se soma à xenofobia de nacionalidade.
Subnotificação e medo de repercussão
Grande parte das pessoas que sofre discriminação ou agressão não denuncia. No levantamento da Casa do Brasil, 76% afirmaram não ter procurado órgãos oficiais. Os motivos incluem medo de rejeição, falta de confiança nas instituições, complexidade burocrática ou simplesmente achar que não vai adiantar.

Consequências para os afetados
Danos psicológicos: horror, vergonha, sentimento de não pertencimento, ansiedade, medo de sair de casa ou de interagir socialmente.
Barreiras reais: acesso ao emprego, habitação, serviços básicos como saúde, reconhecimento profissional. Quando a discriminação se dá em ambientes de trabalho ou aluguel de imóveis, as consequências econômicas são diretas.
Integração comprometida: ainda que muitos brasileiros tenham dupla cidadania ou moradia legalizada, a xenofobia reforça “dupla cidadania social” — cidadãos marcados como “outros”, mesmo quando legalmente inseridos.
Desafios institucionais e jurídicos
A legislação portuguesa (Lei nº 93/2017) contempla a discriminação com base em nacionalidade, cor da pele e origem, mas muitos atores dizem que ela é insuficiente em termos de penas e consequências.
Processos judiciais são raros, e quando acontecem, quase sempre resultam em sanções leves (multas ou compensações civis) em vez de punições penais fortes.
A falta de acessibilidade para denunciar — falta de conhecimento dos direitos, barreiras linguísticas, ausência de formulários ou canais operacionais (“o formulário virtual está fora do ar”) — agrava o problema.

O que dizem especialistas
Ativistas afirmam que há um padrão estrutural de discriminação, que se expressa tanto nas ações explícitas quanto nas implícitas.
Grupos civis vêm pedindo a alteração do Código Penal para que condutas discriminatórias e xenófobas de nacionalidade passem a ser consideradas crime, com consequências mais severas.
Também se sugere que as autoridades invistam mais em educação, sensibilização, e em campanhas para conscientizar tanto o público em geral quanto funcionários de instituições públicas para identificar e combater tais comportamentos.

Reflexão final
Apesar de existirem leis e estruturas formais para combater a discriminação, o vínculo de afetos, língua comum e história compartilhada entre Brasil e Portugal não tem sido suficiente para prevenir o aumento da xenofobia. Há uma tensão entre a imagem de Portugal como destino acolhedor e a realidade vivida por muitos brasileiros, sobretudo os racializados ou com menos recursos. O crescimento das denúncias mostra que há uma conscientização maior por parte das vítimas, mas também expõe fragilidades institucionais – seja no reconhecimento do problema, seja na resposta efetiva a ele.