Trinta mil milhões de dólares depois, Argentina está de novo à beira da falência

Gilson Pimentel
Sep 28, 2025By Gilson Pimentel

A Argentina, país com uma longa história de crises económicas, parece estar novamente teimosa à beira do abismo financeiro. Apesar de ter recebido cerca de US$ 30 mil milhões (ou mais) em apoio de organismos internacionais como o FMI, Banco Mundial e BID, a crise persiste. O recente contexto aponta para desequilíbrios graves, tensões cambiais, inflação altíssima e uma fragilidade estrutural que não se resolve apenas com dinheiro externo.


O que levou ao ponto atual

Endividamento externo e dependência do crédito

Para enfrentar déficits fiscais crónicos, quedas de receita, e déficits com o comércio exterior, a Argentina recorreu consistentemente ao crédito externo. Em vários momentos, contraía empréstimos que serviam menos para investimento produtivo e mais para pagar dívidas antigas, financiar o Estado ou sustentar subsídios e assistência social.  
Inflação galopante e desvalorização cambial
A moeda argentina, o peso, tem sofrido desvalorizações constantes. A inflação anual chegou a mais de 200%, o que corrói o poder de compra da população e torna muito caro o serviço da dívida externa (que normalmente está fixada em dólares).  
Políticas de austeridade com alto custo social
Para compensar, governos sucessivos têm recorrido a cortes nos gastos públicos, despedimentos no sector estatal, redução ou eliminação de subsídios, elevada liberalização, entre outras medidas. Essas políticas acentuam o sofrimento dos mais pobres, aumentam a desigualdade e geram instabilidade política.  
Reservas internacionais escassas
As reservas em divisas são vitais para pagar importações, estabilizar o câmbio e honrar dívidas externas. A Argentina enfrenta grandes saídas de reservas, seja para equilibrar câmbios, seja para cobrir déficits.  
Expectativas ruins e risco de incumprimento
O mercado já considera que existe um elevado risco de calote (“default”) ou de reestruturação da dívida. Isso eleva o custo de novos empréstimos, reduz o investimento estrangeiro e cria um ciclo difícil: quanto mais dependente do crédito, mais exposta aos pânicos financeiros.  


O que “US$ 30 mil milhões” representa

Esse montante refere-se grossolanamente ao total de auxílios/aprovações de crédito em pacotes recentes: ajuda do FMI, BM, BID, empréstimos novos para reforço das reservas internacionais, para refinanciar dívidas antigas. 

Embora esse montante seja expressivo, não basta para resolver o problema estrutural: inflação crônica, déficit fiscal, desconfiança dos mercados, fragilidade institucional. É como verter água num balde com vários furos.


Os riscos imediatos

Default soberano: se o governo não conseguir cumprir obrigações de pagamento da dívida ou não renovar/rollover empréstimos necessários.

Colapso cambial: pode haver uma pressão ainda maior sobre o peso, levando a desvalorizações abruptas.
Crise social: desemprego, pobreza e instabilidade política sobretudo se medidas de austeridade forem percebidas como muito duras ou injustas.
Perda de acesso aos mercados internacionais: se investidores perderem confiança, emissão de dívida nova ficará muito difícil ou extremamente onerosa.


Possíveis caminhos de saída

Reformas estruturais profundas

Ajuste fiscal sustentável, reforma tributária, cortes nos subsídios que não têm retorno, melhoria da eficiência dos gastos públicos.
Combate à inflação
Política monetária firme, controle da impressão de moeda, ancoragens cambiais ou outros mecanismos que gitam expectativas inflacionárias.
Negociações internacionais
Reestruturações ordenadas da dívida, acordos com credores, possivelmente perdão ou alongamentos, para aliviar o perfil de vencimentos.
Diversificação da economia e estímulo à produção
Focar em setores exportadores, atrair investimento estrangeiro sustentável, melhorar infraestrutura, educação e institucionalidade.
Proteção social focalizada
Para não agravar o custo social, políticas que protejam os mais vulneráveis, mitigando o impacto das reformas.

Apesar dos US$ 30 mil milhões obtidos ou prometidos, a Argentina continua muito vulnerável. O peso desses recursos é diluído diante da escala dos défices, da inflação, da dívida e da desconfiança. A “falcência” iminente (no sentido de incumprimento ou crise económica grave) não parece algo descartado, a menos que ocorra uma combinação de políticas firmes, reformas, gestão prudente e, talvez, uma dose de sorte externa.