Mostra isto no teu país”: Marta e João fingiram um casamento e foram descobrir o Afeganistão

Sep 23, 2025By Gilson Pimentel
Gilson Pimentel

Lisboa — A aventura de Marta Durán e João Amorim, dois portugueses viajantes e criadores de conteúdos, chama atenção pelas escolhas inusitadas que fizeram: para viajar pelo Afeganistão, Marta e João decidiram fingir um casamento. A ideia era dar mais segurança à Marta num país sob regime talibã, onde mulheres enfrentam múltiplas restrições e onde a presença feminina sozinha pode gerar problemas práticos e de segurança. 

O motivo do disfarce

Marta explicou que, antes da viagem, pensaram nos riscos de que uma mulher viajasse desacompanhada ou sem respaldo masculino num contexto tão patriarcal. No Afeganistão, muitos postos de controle e autoridades podem recusar ou dificultar o acesso de mulheres sozinhas ou em combinação com normas de género rígidas. Fingir que Marta e João eram marido e mulher servia como uma espécie de “escudo social”, para reduzir riscos de assédio, de recusa de acesso ou de embaraço legal ou cultural. 

O que viveram lá

A viagem durou cerca de 17 dias, com diversas situações que evidenciaram como as mulheres afegãs vivem com limites marcados:

Checkpoints: num dia em que seguiam para o Parque Nacional de Band-e-Amir, Marta ficou sabendo que poderiam ter “problemas” por estar no carro com um homem (o João). Ao chegarem a um checkpoint, foi impedida de prosseguir por causa dela — não por ele.  
Sensação de invisibilidade: Marta conta que, em muitos momentos, sentiu-se excluída das interações — os homens falavam direto com João; ela ficava à parte. Sentia que sua presença não era “oficialmente” considerada.  
Incerteza e instabilidade nas normas: eles viram como as regras variavam muito dependendo da região, das pessoas envolvidas (ex: diferentes tribos) e do local. Em alguns lugares, mulheres locais circulavam; em outros, Marta foi barrada.  
Momento de perigo: em Kandahar, suspeitaram de que estavam sendo seguidos por um talibã armado enquanto explora­vam a cidade. Houve tensão, embora (segundo Marta e João) o guia e motorista tenham ajudado a manter a calma.  

Mesmo com os perigos, Marta e João dizem ter sido bem acolhidos pela população local em muitos momentos. Eles conversaram com pessoas do regime talibã inclusive, observaram como ele insiste em passar uma imagem de tranquilidade para turistas, ainda que na prática haja restrições muito fortes. 


Reflexões sobre as mulheres afegãs

A experiência de Marta — fingindo casar, sendo invisibilizada, sentindo insegurança — serve como uma lente para entender várias verdades duras sobre a situação das mulheres no Afeganistão:

A segurança pessoal depende muito de fatores externos (se tiver um homem junto, se estiver “protegida” por normas culturais).
O acesso à mobilidade, à natureza, à liberdade de movimento varia enormemente e pode ser revogado conforme o local ou autoridade.
A invisibilidade social: mesmo em situações “oficiais”, a voz da mulher nem sempre é ouvida ou considerada.
As regras de gênero são mantidas com rigidez, mas também com arbitrariedade: às vezes há flexibilidade; outras vezes não. Isso gera medo constante e incerteza.


Importância de mostrar isto

Marta e João pretendem que o relato vá além de uma aventura exótica, e que sirva para dar visibilidade ao que muitas mulheres afegãs enfrentam todos os dias: não poder andar livremente, serem condicionadas pela presença de um homem, terem direitos cerceados. Relatos assim ajudam quem está fora do Afeganistão a compreender não só os fatos, mas também o impacto psicológico e humano das restrições de gênero.