“Jurar de morte”: quando denunciar o crime organizado vira sentença

Gilson Pimentel
Sep 23, 2025By Gilson Pimentel

No Brasil, há centenas — senão milhares — de pessoas cujas vidas viraram alvo direto das facções criminosas. Juízes, promotores, jornalistas, ativistas, autoridades que ousaram investigar, julgar ou reportar casos de crime organizado se viram “jurados de morte”: alvos de ameaças constantes, com escolta obrigatória ou com difícil acesso à proteção efetiva. Este é um perigo real, que vai além da retórica: para muitos, é viver sob vigilância contínua, com medo de sair de casa, de ir ao supermercado, de deixar os filhos irem à escola.


Quem são os jurados de morte

Alguns perfis se destacam entre aqueles mais visados:

Magistrados e promotores que conduzem processos contra chefes de facções ou lideranças criminosas. Exemplo: O promotor Lincoln Gakiya, que já sofreu ameaças após ordens de transferência de líderes de facção para presídios federais.  

Juízes que assinam sentenças duras ou decidem pela perda de bens, bloqueios de contas, demolições de operações ilícitas. Um exemplo clássico é Odilon de Oliveira, ex-juiz federal, que condenou líderes como Fernandinho Beira-Mar e teve vida protegida por muito tempo.  
Jornalistas e demais profissionais da imprensa ou do setor de comunicação que reportam crimes, facções, corrupção ou atuação do crime organizado. Necessitam de segurança permanente em muitos casos.  


Como é viver assim: rotina sob ameaça

Proteção constante — muitos jurados de morte precisam de escolta 24 horas por dia, inclusive em rotinas básicas, como deslocamentos simples.  

Isolamento social e psicológico — medo de expor amigos, familiares ou pessoas próximas a perigo, redução de atividades fora do ambiente seguro, vigilância extrema.
Perda de liberdade de ação — decisões pessoais, como onde morar ou trabalhar, acabam condicionadas pelo risco de exposição.
Dependência de órgãos públicos para segurança — muitos dependem de políticas estatais de proteção, que nem sempre são permanentes ou suficientes, principalmente após aposentadoria ou quando deixam cargo público.  



Dados e estimativas: o quão grande é o problema

É difícil medir exatamente quantos brasileiros são atualmente jurados de morte, porque muitas ameaças não são registradas formalmente ou ficam fora do radar nacional.

Segundo o programa Repórter Record Investigação, existem alguns casos documentados com proteção especial, como o do promotor Lincoln Gakiya.  
Alguns casos notórios atraem atenção pública, mas há uma subnotificação considerável, especialmente em regiões mais pobres ou com menor presença institucional.


Exemplos concretos recentes

Felipe Ramos Morais, piloto de helicóptero, tornou-se jurado de morte pelo PCC após delação premiada que envolvia transferências de líderes da facção.  

Odilon de Oliveira: além de todo um histórico de atuação contra facções, vive sob proteções há muitos anos. Após se aposentar, parte da proteção foi reduzida, porém as ameaças perduram.  
Em São Paulo, a morte de Ferraz Fontes, ex-delegado pioneiro no combate ao PCC, chamou atenção: ele já era jurado de morte há anos e sua execução expõe a força logística e tática das facções.  



Desafios da proteção




Capacidade institucional
Muitas vezes, os órgãos responsáveis (polícia, segurança pública) não têm recursos para oferecer escolta eficiente, reforço estrutural (como veículos blindados, residências seguras, proteção também fora do horário de trabalho).
Tempo de resposta e continuidade
A proteção pode diminuir quando a pessoa não está mais em cargo público ou ativo no processo que a fez alvo. Muitas ameaças persistem ao longo de anos, até décadas.
Legislação e norma claras
Não há regulamentações homogêneas que definam quem tem direito automático à proteção, por quanto tempo, e com que padrões mínimos (número de agentes, tipo de escolta).
Custo humano e psicológico
A vida como alvo constante acarreta desgaste, medo, estresse pós-traumático. Alguns tornam-se reclusos, evitam sair de casa, convivem com paranoia ou alterações no comportamento.








Possíveis caminhos para mitigar




Fortalecimento das políticas de proteção institucional, inclusive para aqueles que não estão mais em cargos ativos, mas cujas ações no passado geraram risco ainda presente.
Legislação mais clara quanto ao direito à proteção, com critérios objetivos e mecanismos de recurso para quem tiver a proteção negada.
Aumento dos investimentos em segurança estrutural (moradias seguras, transporte seguro, escoltas adequadas) para os vulneráveis.
Mais visibilidade mediática para casos ignorados ou menos “convenientes”, para reduzir o estigma e a invisibilidade que agrava o problema.
Apoio psicológico e social para os que vivem nessa situação, incluindo suporte para famílias.








Conclusão




Ser jurado de morte por envolvimento no combate ao crime organizado é estar sempre no limite — limiar entre poder atuar como agente de justiça ou perseguido. Apesar de poucos terem perfil tão exposto, cada caso revela falhas profundas de segurança pública, justiça e sistema de proteção social. São vidas que dependem não apenas do aparato de segurança, mas da vontade política de proteger quem luta contra o crime — não apenas no discurso, mas com recursos, leis e ações concretas.